(Alba Azevedo)
Ela é até bonitinha, mas será que é inteligente? Comentários dessa ordem são recorrentes no nosso cotidiano e são vistos com naturalidade, como se existisse uma suposta incompatibilidade entre os atributos da beleza e da inteligência feminina.
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Embora pareçam inofensivos, esses discursos funcionam como mecanismos de violência simbólica de uma sociedade patriarcal – conceito desenvolvido por Pierre Bourdieu -, e contribuem para a manutenção de estruturas de dominação de gênero, que se mantêm quase invisíveis, uma vez que se manifestam por meio da linguagem, das normas sociais, dos costumes e das instituições.
A violência de gênero assume múltiplas formas: física, sexual, psicológica, política, moral e econômica. Porém é quanto à sua expressão mais velada, a simbólica, que Bourdieu nos alerta como especialmente perigosa, por agir de maneira silenciosa na continuidade das diferenças.
Não raro escutamos declarações que revelam estereótipos fincados na sociedade, entre elas, destaco uma pequena amostra: “Ela é muito histérica para liderar”; “Ele é firme, ela é mandona”; “Mulher bonita não precisa ser inteligente”; “As mulheres são muito sensíveis para lidar com pressão”; “Ela deve ter conseguido o cargo por causa da cota, não por mérito”.
Mas por que normalizamos esse tipo de discurso em pleno século XXI?
Por trás de comentários como esses, esconde-se uma ideia que opõe os atributos de beleza e inteligência em mulheres, como se fossem inconciliáveis, nos fazendo ver que a violência de gênero constitui um dos meios pelos quais o poder masculino reafirma sua autoridade. Essa polarização incorreta reflete um imaginário coletivo machista que perpassa gerações, alimentado por um legado histórico em que a educação foi construída sobre bases assimétricas, na qual se atribuíram papéis hierarquizados a meninos e meninas, respaldando estruturas de poder que legitimam a desigualdade de gênero, sob a aparência de senso comum e sem a necessidade de coerção explícita.
Não podemos ser indiferentes a comportamentos carregados de implicações culturais e políticas, que revelam o quanto ainda somos uma sociedade preconceituosa, em que a aparência feminina é colocada em oposição à capacidade intelectual, impactando a constituição identitária, a autoimagem e a autoestima das mulheres. Isso demonstra que ainda somos reféns de uma lógica machista e por isso acabamos reforçando uma cultura seletiva que privilegia a superioridade dos homens, sustentada por uma violência simbólica que cala, humilha, desqualifica e confina as mulheres em papéis limitantes.
É fundamental adotarmos uma postura mais crítica em relação à violência de gênero, que segue influenciando as dinâmicas sociais, sobretudo se levarmos em conta que esses preconceitos, baseados em crenças acerca de supostas qualidades inatas de homens e mulheres, disseminam ideias generalizadas e impõem papéis sociais específicos, que continuam a se reproduzir em todas as esferas, inclusive nos espaços de poder, onde poderíamos supor sua ausência.
A necessária revisão dos estereótipos de gênero se impõe para que não se perpetue essa forma sutil de dominação e inferiorização da feminilidade, porque como nos lembra Rita Segato “as lutas das mulheres não são contra os homens, mas contra a ordem política fundacional, que alicerça todo o edifício das desigualdades e extrações de mais-valia: o patriarcado”.
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Leia mais sobre a coluna Humanas
Alba Paulo de Azevedo é juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, professora da Escola da Magistratura do Rio Grande do Rio Grande do Norte e pesquisadora do Grupo Pesquisa Social da UFRN.










Parabéns pelo texto, que numa linguagem objetiva, bem escrita e atual, aborda uma temática importante e muito distorcida (equivocada), por grande parte da nossa sociedade, sobre o feminismo.
Artigo necessário 👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾
Obrigada Doutora Alba por nos ensinar pelo exemplo e pela maravilhosa reflexão sobre um tema tão necessário
Maravilhosa e necessária reflexão. Saber desse “movimento “ dar uma esperança desses estereótipos serem finalmente “revisados!!!
Agradeço profundamente a cada uma de vocês – Ana Maria Araújo, Joana e Kelly Rocha – pela leitura atenta e pelos comentários que valorizam esse espaço de diálogo. Abordar a violência simbólica contra as mulheres é uma pauta essencial, por isso receber considerações como essas nos inspira e reafirma a confiança de que estamos pavimentando caminhos para uma interlocução mais consciente rumo à transformação social que buscamos.
Excelente reflexão sobre o que nós passamos diariamente no nosso cotidiano.
Uma reflexão de extrema importância sobre a violência, desigualdade de gênero e estereótipos femininos na sociedade brasileira.
Obrigado pela reflexão Dra. ALBA
Muito necessário!
A ciência ao alcance da nossa cidadania e sociedade
Parabéns! Texto maravilhoso que traz mais do que uma reflexão; um grito de alerta contra a violência do patriarcado. Um recorte social que precisa de ajuda e competência de Dra. Alba.
Este tema precisa estar presente , sempre , com o este equilíbrio necessário às discussões maduras, da forma que a senhora trouxe , com muita competência. Afinal, nós mulheres ainda somos açoitadas. aberta ou veladamente, por esta cultura.