A arte como território fértil para questionar normas heteronormativas (Foto: Cedida)

Exposição ‘Fértil’ explora reprodução assistida como performance e resistência política

“Uma mulher que é infértil não já está salva, de alguma forma, dessas necessidades sociais e políticas, de estar a serviço, da obrigação de cumprir seu papel na perpetuação da espécie e a serviço do capitalismo?”

A provocação é de Mariana do Vale Gomes, professora adjunta do Departamento de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Essa pergunta é o ponto de partida da exposição Fértil, que reúne obras desenvolvidas a partir de procedimentos relacionados à reprodução assistida. A mostra propõe aproximar o campo da reprodução das práticas da performance como estratégia político-artística de resistência e afirmação de identidades dissidentes.

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A exposição é atravessada por experiências da maternidade lésbica e pelo universo da reprodução assistida. Os trabalhos investigam temas como identidade, feminismo, fracasso, amamentação, loucura e medicalização — transformando a arte em um território fértil para questionar normas heteronormativas e celebrar outras formas possíveis de existir e criar.

Pesquisa de Doutorado

Mariana do Vale, docente, pesquisadora e artista visual da UFRN (Foto: Cedida)

As obras apresentadas são fruto da pesquisa de doutorado da artista no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, em Portugal. Intitulada Fértil: a reprodução como performance, a investigação analisa a reprodução assistida em diálogo com as artes. “Eu já vinha no campo das artes, eu sou do campo das artes e trabalhava com as questões de performance. E eu encontrei na reprodução assistida um caráter muito próximo das questões da performance”, explica a artista.

Apoiada em autoras como Simone de Beauvoir e Silvia Federici, a pesquisadora buscou compreender o papel da mulher na reprodução biológica e social. Seu interesse pela reprodução assistida também é atravessado por sua experiência pessoal, ao formar uma família homoafetiva. “Depois eu vou apresentar a reprodução assistida e vou investigar um pouco como se deu esse processo. E aí foi uma grande descoberta ao perceber que o pesquisador que recebeu o Prêmio Nobel em 2010 por esse feito, no discurso não se menciona nenhum feito, como se tivesse tido algum benefício para a formação de famílias homoafetivas, isso não aparece em nenhum texto,” revela.

A artista destaca que sua pesquisa tem caráter teórico-prático. “Ao mesmo tempo que eu produzia obras, eu também estava produzindo esse texto, que é um texto performativo, e uma coisa nutria a outra. E, no fim, apresento a reprodução assistida para um casal de mulheres como uma estratégia subversiva, tanto politicamente quanto artisticamente, uma vez que esse processo não foi pensado e não parece que os feitos atinjam famílias homoafetivas e, muitas vezes, é o único caminho para várias formações de famílias”, propõe.

Um laboratório de criação e resistência

As obras da exposição incluem criações individuais e coletivas (Foto: Cedida)

As obras da exposição incluem criações individuais e coletivas, desenvolvidas no contexto do Laboratório Criativo Fértil. O espaço investigou a reprodução como linguagem e ação artística, reunindo colaborações de Aldenor Prateiro, AnaLu Medeiros, Ana Paola Ottoni, Elisa Elsie, Evelyn Freitas, Lee Santos, Nikarla Silva e Priscilla Fontenele. A artista já teve trabalhos exibidos em cidades como Coimbra, Nova York, Madri, Cidade do México, San José, Rio de Janeiro e Natal.

Fértil propõe uma experiência imersiva e sensorial, que atravessa o corpo, a tecnologia, os afetos, o feminismo e o ativismo. A exposição articula diferentes técnicas e suportes — como videoperformance, instalação, serigrafia, gravura, cianotipia e fotografia — compondo um campo expandido de experimentação visual e conceitual.

Para a curadora Ana Paola Ottoni, “o corpo feminino é aqui investigado não como suporte passivo, mas como território insurgente, onde práticas biotecnológicas, desejos e política se entrelaçam.”

Arte como forma de ruptura

A artista observa a escassez de produção artística sobre reprodução assistida — e, mais especificamente, sobre a dupla maternidade. Fértil surge como uma contribuição inédita e necessária ao debate sobre reprodução, subjetividade e política, rompendo o silêncio que ainda envolve essas vivências. “É uma tentativa de nomear experiências ainda pouco visibilizadas. A arte aqui não ilustra processos biomédicos, mas os atravessa, subverte e faz deles um meio de gerar outros sentidos”, afirma Mariana do Vale.

Na plataforma Lattes do CNPq, Mariana se define como mulher cis, racializada, nordestina, docente, pesquisadora e artista visual. Sua produção investiga temas como intimidade, corpo, reprodução, maternidade e feminismo, utilizando o vídeo, a performance, a escrita, a fotografia e a gravura como principais suportes.

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Serviço
O quê: Exposição Fértil, de Mariana do Vale
Curadoria: Ana Paola Ottoni
Abertura: 23 de maio de 2025, às 18h30
Onde: Galeria Conviv’Art | NAC | UFRN — Rua da Convivência, s/n, Campus Universitário
Quanto: Entrada gratuita
Visitação: 26 de maio a 20 de junho de 2025