(Ricardo Valentim)
As universidades federais no Brasil, consideradas pilares fundamentais da produção de conhecimento e desenvolvimento social, enfrentam um paradoxo complexo, gozam de autonomia constitucionalmente garantida (art. 207 da CF/88), porém essa prerrogativa muitas vezes é tensionada por um cenário de regulamentação excessiva, de vícios legislativos internos e de uma interferência por vezes desproporcional dos órgãos de controle. Essa conjuntura tem gerado um ambiente de anacronismos e inseguranças jurídicas, que têm impactado diretamente a eficiência e a capacidade de inovação dessas instituições. Tais circunstâncias induzem baixa resiliência e responsividade às constantes mudanças e problemas sociais.
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A autonomia universitária, que deveria ser um escudo contra ingerências indevidas e um propulsor da liberdade acadêmica, administrativa, financeira e didático-científica, acaba se desdobrando em um emaranhado de resoluções e normativas próprias que, não raro, apresentam vícios formais e materiais. Um ponto crucial de crítica reside na persistente e equivocada vontade de “legislar” por parte dessas instituições. Embora as universidades tenham o legítimo papel de regular suas atividades internas para organizar seu funcionamento, como parte integrante do Poder Executivo, elas não detêm a prerrogativa de legislar no sentido estrito, função reservada exclusivamente ao Poder Legislativo. Essa confusão de papéis leva à produção de normas que extrapolam a capacidade regulamentar, e adentram em questões que demandariam lei em sentido formal, fato que resulta em um arcabouço normativo instável e propenso a questionamentos, o que gera inseguranças jurídicas e travam as inovações.
Nesse contexto, a atuação dos órgãos de controle, embora essencial para a fiscalização da aplicação dos recursos públicos e a garantia da probidade administrativa, tem gerado distorções que contribuem para o que Gabriela Lotta denomina o “apagão das canetas”. O fenômeno do “apagão das canetas” se manifesta como a inação ou a tomada de decisões subótimas por parte de gestores públicos, movidos por um medo difuso de serem responsabilizados ou submetidos a processos punitivos, mesmo quando agem com diligência e honestidade. No ambiente universitário, essa hipertrofia normativa interna, somada ao rigor do controle externo, se traduz em uma burocratização excessiva, lentidão na execução de projetos e uma aversão ao risco que sufoca a inovação e a agilidade necessárias.
A jurisprudência, por sua vez, reflete essa tensão. Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) reforce a autonomia universitária, há decisões que delimitam seus alcances, especialmente em questões financeiras e orçamentárias, bem como na forma de escolha de reitores, com isso busca-se equilibrar a autonomia com a necessidade de controle e transparência na gestão pública. A interpretação e aplicação das normas pelos órgãos de controle, por vezes, criam um ambiente de insegurança jurídica, no qual a discricionariedade administrativa, inerente à gestão universitária, é constantemente desafiada pela existência de normativas internas que, por vezes, invadem competências legislativas.
O resultado é um cenário no qual as universidades federais, em vez de serem ambientes fluidos e adaptáveis às demandas sociais e científicas, se veem engessadas por um controle que, em vez de ser um mecanismo de garantia, torna-se um entrave. O “apagão das canetas” nas universidades federais não é apenas uma questão de burocracia, mas um sintoma de um sistema no qual a busca por evitar falhas a todo custo paralisa a ação, perpétua anacronismos e fragiliza a capacidade das instituições de ensino superior de cumprir plenamente seu papel transformador na sociedade brasileira. A superação desse desafio exige uma revisão crítica do papel dos órgãos de controle e uma maior clareza das suas atuações no contexto universitário. É preciso urgentemente aprimorar os instrumentos que possam garantir maior segurança jurídica na atuação dos gestores universitários, isso possibilitará que a autonomia universitária se traduza em efetiva capacidade de gestão e inovação, com respeito aos limites do papel regulamentar para executar, para isso é preciso evitar a equivocada tentação de legislar.
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Ricardo Valentim é professor associado da UFRN










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