Escalar não se trata apenas de aumentar o número de pessoas, mas dar profundidade funcional àquilo que você quer entregar.

Partindo a frio com as tribos

(Gláucio Brandão)

No dinâmico mundo digital, onde a atenção é um ativo precioso, produtos baseados em efeito de rede, como marketplaces e plataformas, se destacam como poderosas estratégias de geração de valor, prometendo facilitar experiências, aumentar a aquisição, o engajamento e a monetização à medida que mais usuários interagem.

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Contudo, surge uma questão fundamental: como iniciar um efeito de rede se ainda não há usuários criando valor para a rede? Este foi o ponto central trabalhado na Aula Condensada (AC) O efeito de rede, na qual focamos no problema da partida a frio (Cold Start Problem ou CSP). Em outras palavras, como começar um negócio do zero, se a intenção é escalar? Naquela AC, ainda não tinha maturado um outro conceito, o de Tribo. Na semana passada, um insight me fez perceber que um tem potencial para resolver o outro. Esta é a razão desta aula condensada nada fria.

O CSP é um desafio significativo em sistemas de informação, especialmente quando falamos em recomendação e filtragem colaborativa. O problema acontece quando um novo item é introduzido no sistema, e não há dados históricos suficientes para se fazer previsões ou recomendações precisas. É, essencialmente, um problema de “ovo e galinha” para produtos que dependem de efeitos de rede. Ninguém quer entrar em uma rede vazia, e a chance de abandono é alta se o usuário sentir que está numa terra de ninguém. Geralmente o problema se manifesta em três cenários:

  • Nova comunidade. Ocorre na inicialização do sistema, quando quase nenhuma informação está presente para que alguém possa recomendar alguma coisa.
  • Novo item. Um item recém-adicionado ao sistema tem poucas ou nenhuma interação.
  • Novo usuário: Um novo usuário se registra e ainda não forneceu interações, impossibilitando recomendações personalizadas. As consequências incluem recomendações ruins, baixo engajamento e diminuição da receita.

Tribos e redes atômicas

Para enfrentar o Cold Start Problem (CSP), dois conceitos se complementam: Tribo e Rede Atômica. A Tribo, segundo Seth Godin, é um grupo unido por conexões, um líder e uma ideia em comum. O valor de uma rede está nos vínculos entre os participantes, não no número deles. A necessidade de pertencimento é um instinto humano poderoso. A Rede Atômica, como define Andrew Chen, é a menor rede viável, com densidade e estabilidade suficientes para crescer sozinha. Ela é a base estrutural de redes maiores e uma resposta eficaz ao CSP.

Num bate-papo animado com meus amigos da GoRunners, Fabiano Pezzi e Tiago Barros, me veio à mente um trecho do livro do Godin. Percebi então que a rede atômica e a tribo podem ser definidas com as mesmas palavras. Como um raio, um insight “rachou meu cabeção”.

A combinação entre tribo e rede atômica é chave para vencer o CSP:

  • Conexões densas, não volume. O foco é qualidade de conexões entre as pessoas certas, criando valor desde o início.
  • Comece pequeno e específico. Nichos concentrados — como Harvard para o Facebook ou festas universitárias para o Tinder — impulsionam a rede.
  • Valor desproporcional. Identifique quem realmente move a plataforma: criadores, motoristas, etc.
  • Evite “cidades-fantasma”. Redes vazias e sem conexões, como o Google+, falham por começarem grandes demais.
  • Ferramenta atrai, rede retém. Um recurso útil individualmente pode iniciar o engajamento, como o Instagram fez com edição de fotos.
  • Escalar com consistência. Após validar uma rede com a tribo, o crescimento deve ser replicado de forma gradual em novos mercados.

Próximos passos: da partida a frio à escala!

O CSP é um grande obstáculo, mas não é intransponível. As dicas de Godin sobre “Tribos” e o framework de “Redes Atômicas” de Chen oferecem uma abordagem prática e comprovada. Compilando junto estes dois conceitos e pensando na superação da partida a frio com o intuito de escalar um negócio, GBB-San recomenda aos empreendedores a seguinte sequência:

  1. Crie ou defina sua rede atômica ideal. Identifique o menor e mais específico grupo de usuários que trará o maior valor inicial.
  2. Concentre-se no “lado difícil”. Descubra quem são os usuários mais valiosos e crie estratégias para atraí-los e retê-los.
  3. Fomente conexões genuínas. Priorize a qualidade das interações em vez da quantidade de usuários.
  4. Ofereça valor imediato com uma “ferramenta”. Considere uma utilidade individual antes que o efeito de rede esteja estabelecido.
  5. Planeje a replicação gradual: incrementalmente e sempre. Expanda de forma iterativa, replicando o modelo em comunidades adjacentes, sem pressa.
  6. Seja um “herege” na liderança. Desafie o status quo e lidere com paixão para mobilizar sua tribo

Ao adotar essa mentalidade “tribal” e focar na construção de redes atômicas, sua proposta de valor pode não apenas superar o “cold start”, mas também estabelecer uma base sólida para um crescimento exponencial e um sucesso duradouro.

Ruptura ao estilo GBB-San

Sendo contundente, uma rede se caracteriza pelo fluxo entre conexões, não pelo amontoado de usuários. Para criar valor inicial não é necessário volume, mas significado. As primeiras conexões podem até serem fictícias, desde que provoquem sentido, por isso que uma tribo não é apenas um grupo: trata-se de um pacto em torno de uma crença comum. Levando isso em conta, escalar não se trata apenas de aumentar o número de pessoas, mas dar profundidade funcional àquilo que você quer entregar. É necessário criar o mito para que surjam os adeptos de uma marca!

Senti-me um cabra do marketing com essa última frase, mas achei porreta.

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Gláucio Brandão é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e autor do livro Triztorming