A proposta parte da lógica de que municípios pequenos tendem a apresentar menor Esforço Fiscal de Arrecadação. (Foto: Agência Fapesp)

Estudo propõe fusão de 70% dos municípios brasileiros

Aglutinar 70% dos municípios brasileiros daria à esfera municipal melhor saúde fiscal e maior autonomia de operação. É o que aponta o artigo “Arranjos federativos e federalismo fiscal: uma proposta de fusão municipal no Brasil”, publicado nos Cadernos Gestão Pública e Cidadania. O estudo é resultante do Doutorado de Amarando Francisco Dantas Junior, sob orientação de Josedilton Alves Diniz, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A matéria foi publicada pela Agência Bori.

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Segundo os autores, esse corte seria resultado de uma fusão sistemática de municípios e levaria à criação dos amálgamas municipais, novas entidades resultantes da aglutinação de municípios limítrofes entre si.

Menos de 5 mil habitantes

Eles analisam os possíveis benefícios do processo como resposta aos desequilíbrios causados pelo excesso de descentralização do sistema federativo brasileiro. Ao todo, seriam afetados 95,4% dos municípios do país. “Seria uma saída que no fim de tudo geraria muito desenvolvimento em especial para as áreas mais interioranas, onde encontram-se municípios com 5 mil habitantes ou menos”, diz Dantas Junior. Na Paraíba, 30% dos 223 municípios atendem aos critérios de aglutinação. 67 municípios têm menos de 5 mil habitantes.

Os pesquisadores partem do princípio que a Constituição Federal de 1988 deu as condições favoráveis para o surgimento de novos micro e pequenos municípios que, responsáveis por gerir e financiar bens e serviços públicos, não conseguem captar o dinheiro necessário de tributos locais e por isso dependem de transferência intergovernamental para se manter. Ocorre, assim, um cenário de descentralização da gestão de serviços públicos, ao passo que a receita é centralizada para a União.

Dantas Junior, que é servidor técnico-administrativo da UFPB, cita como exemplo a gestão de pequenas cidades na área da saúde, muitas vezes direcionado ao transporte de pacientes. “Dadas as limitações operacionais de micro e pequenos municípios, é comum que se providencie apenas o transporte dos moradores para que eles recebam tratamento de saúde em municípios um pouco maiores daquela região”.

Sem arrecadação própria

Os autores se propuseram a analisar os benefícios esperados que a fusão de municípios poderia trazer. Eles estabelecem que, para participar do processo, os municípios devem ter até 119.213 habitantes, ser limítrofes entre si e estar contidos no mesmo estado-membro.

A proposta parte da lógica de que municípios pequenos tendem a apresentar menor Esforço Fiscal de Arrecadação — indicador que mede quanto da receita é proveniente de arrecadação própria em relação à receita total. O modelo elaborado funde municípios limítrofes com base nesse critério, priorizando a união entre entes vizinhos com capacidades fiscais complementares.

A partir desse recorte, os pesquisadores analisaram dados populacionais e contábeis do período de 2013 a 2021 de 5.567 municípios brasileiros. Ficaram de fora da amostra Brasília (DF), por sua especificidade político-administrativa, e Fernando de Noronha (PE) e Ilhabela (SP), por não fazerem divisa com outros municípios. Com os dados, eles criaram um modelo matemático para fazer combinações e maximizar o Esforço Fiscal de Arrecadação (EFA) da esfera municipal com o aumento populacional dos municípios. Os resultados, então, foram analisados para verificar os impactos de aumentar a EFA e comparar os cenários pré e pós-criação de amálgamas.

Barreiras constitucionais

Os pesquisadores estimam que uma redução de 70% no número de municípios elevaria em 36% a capacidade de autossuficiência operacional, ou seja, a capacidade das cidades custearem suas despesas correntes com receitas próprias; e diminuiria em 25,7% os desequilíbrios fiscais entre elas, promovendo maior equilíbrio regional. No entanto, reconhecem que apesar dos ganhos esperados a aplicação prática dessa proposta esbarra em barreiras constitucionais: o atual ordenamento jurídico brasileiro não prevê a fusão sistemática de municípios nem a criação de novos entes a partir dessa reorganização.

Para Dantas Junior, trata-se de um debate pouco explorado no país porque “temos uma estrutura política muito consolidada e robusta que se alimenta financeiramente dos pequenos municípios”.

Por outro lado, a pesquisa oferece subsídios ao aprimoramento de políticas públicas para a racionalização do modelo federativo brasileiro, em especial no campo fiscal. Se levado a cabo, cidades deixariam de existir e novas seriam criadas, o que mexeria com os sistemas públicos municipais, responsáveis pelos empregos e pela renda de micro e pequenas cidades.

A pesquisa foi feita antes da aprovação da reforma tributária. Embora ela não esteja no escopo da análise, o pesquisador diz que “a depender de como for conduzida a reforma, municípios vão passar a ser ainda mais dependentes de transferências de outras esferas do governo, em especial do governo federal”.

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Municípios do Rio Grande do Norte com menos de 5.000 habitantes

Viçosa – 1.822 habitantes

Ipueira – 2.035 habitantes

João Dias – 2.076 habitantes

Galinhos – 2.104 habitantes

Monte das Gameleiras – 2.276 habitantes

Bodó – 2.306 habitantes

Taboleiro Grande – 2.338 habitantes

Timbaúba dos Batistas – 2.348 habitantes

Jardim de Angicos – 2.437 habitantes

Pedra Preta – 2.441 habitantes

(Fonte: Censo Demográfico 2022 do IBGE)