A inovação nasce da desobediência intelectual.

Mindset, modelos mentais e a IP

(Gláucio Brandão)

Alguma vez você já se perguntou por que algumas pessoas enxergaram oportunidades no mesmo locus em que você só viu bronca? A resposta está na forma como nossa mente processa a realidade, utilizando de estruturas mentais que, na maioria das vezes, operam no piloto automático. Assim, para desbloquear nosso potencial inovador, precisamos entender a relação entre dois conceitos fundamentais, modelos mentais e mindset, e a inimiga número #1 da criatividade: a inércia psicológica.

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Inércia psicológica (IP)

Algum tempo atrás escrevi que a IP é a disposição de um indivíduo para não mudar seu estado mental ou mindset. Representa a tendência natural de resistir a alterações na programação mental, acreditando que o que temos é indelével, até mesmo o que fora inconscientemente inscrito no cérebro (poético, hehe!). No contexto da metodologia Triztorming, a IP é a resistência automática do cérebro a abandonar padrões mentais, lógicas dominantes ou pressupostos considerados naturais, mesmo quando não são mais eficazes. Por causa dela, nos apegamos inconscientemente a soluções, modelos ou ideias que já foram úteis, mas que hoje bloqueiam a inovação. Considero a prisão invisível onde as ideias vão para morrer.

Modelos mentais

Nossos mapas internos: Admita que possuímos mapas internos os quais utilizamos para interpretar cada situação. Eles são nossos modelos mentais, ferramentas cognitivas específicas que funcionam como lentes, muitas vezes como atalhos cognitivos, moldando nossa visão de mundo. Este o conceito foi introduzido em 1943 por Kenneth Craik, um dos pioneiros da ciência cognitiva moderna, que descobriu que nossa mente constrói modelos em pequena escala da realidade, abstrações, para reduzir a sobrecarga cognitiva, antecipar eventos e tomar decisões.

São exemplos de modelos mentais pensamentos como “Todo sistema tende à entropia”, “O trabalho duro sempre leva ao sucesso”, “Recursos limitados geram competição”, “Estude muito que você chaga lá” etc., coisas que dizemos a nós mesmos, como mantras de salvação. Nossos modelos mentais são formados por experiências, cultura e educação. São granulares – atuando no nível da lógica de situações específicas –, e essenciais para praticar pensamento crítico e questionar suposições.

Mindset

O sistema operacional da mente: Se considerarmos os modelos mentais como aplicativos, o mindset seria nosso sistema operacional (SO). É uma disposição psicológica que define nossos padrões de pensamento e comportamento, sendo então o conjunto dominante de modelos mentais que forma sua mentalidade padrão. A psicóloga Carol Dweck identificou dois tipos principais:

Mindset fixo:

  • Crença de que inteligência e talento são imutáveis.
  • Evita desafios e desiste facilmente.
  • Vê o esforço como inútil.
  • Sente-se ameaçado pelo sucesso alheio.

Mindset de crescimento:

  • Crença de que habilidades podem ser desenvolvidas.
  • Abraça desafios como oportunidades.
  • Persiste diante de contratempos.
  • Vê o esforço como caminho para a excelência.

A conexão poderosa: Mindset e modelos mentais, embora “confundíveis”, não são sinônimos, mas estão profundamente interligados. Nossos modelos mentais mais amplos influenciam o desenvolvimento de um mindset específico. Por outro lado, o mindset atua como um filtro poderoso, moldando e reforçando outros modelos mentais. Quem possui, por exemplo, um mindset de crescimento, tende a “instalar” modelos mentais que veem desafios como oportunidades de aprendizado. Já quem consolidou um mindset fixo, pode até fazer o “download” de certos modelos, mas nunca os fará rodar! (Obs. Tô adequando minha linguagem para a era da IA. Acho que vocês entenderam!).

O mundo pertence aos adaptáveis: A capacidade de modificar nossos modelos mentais e, por meio deles, nosso mindset é fundamental para prosperar em um mundo cada vez mais complexo e acelerado. Baseado nisso, posso dizer que o analfabeto dos novos tempos será aquele incapaz de alterar o próprio mindset.

A boa notícia é que tanto o mindset, quanto modelos mentais, podem ser desenvolvidos e modificados através da revisão consciente de atitudes, hábitos, pensamentos e crenças, pois nossa mente não é fixa; é nosso software mais poderoso. Temos o poder de atualizá-lo, basta parar um pouco, olhar para o mundo em constante evolução e se perguntar: que modelo mental preciso questionar hoje para desbloquear minha próxima inovação?

Quer alguns motes simples? Olhe para algo que você acha imprescindível (alimentos, roupa, Internet, mobilidade, trabalhar 40h etc.) e se pergunte: “e se tal coisa não existisse?” ou “e se a verdade fosse o oposto?”. Garanto que seus modelos mentais começarão a gritar.

O futuro eliminará os rígidos

Ao escrever essa AC e reler as palavras que escrevi: sistema operacional, aplicativo, modelos, abstração, atalhos cognitivos, inércia psicológica, percebi que estamos nos comparando a máquinas e tendo que nos reprogramar ou golpear o próprio cérebro antes que o mundo o faça.

Modelos mentais não são boas práticas, são armas estratégicas. Quem insiste em preservar o mindset atual será o novo analfabeto funcional: poderá ler o mundo, mas não conseguirá reescrever a si mesmo. Temos que entender que nosso mindset é um software em mutação permanente: ou atualizamos ou ele travará, o que exigirá a atitude brutal de destruir certezas em série. A inovação nasce da desobediência intelectual. Sendo bem radical, repita com frieza esse novo mantra: “Pensar sempre positivo é tóxico!”. Quando começar a aceitar isso, deixará de ver “bronca” em tudo e estará pronto para gerar a próxima ruptura.

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Gláucio Brandão é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e autor do livro Triztorming