Uma das publicações científicas de maior prestígio no mundo, a revista Science anunciou a retratação de um artigo polêmico publicado há quase 15 anos. O estudo sugeria que um microrganismo seria capaz de prosperar utilizando arsênio — um elemento tóxico — no lugar do fósforo, essencial à vida.
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Na declaração oficial, o editor-chefe da Science, Holden Thorp, explicou que o artigo não foi retratado anteriormente porque, à época, a revista reservava retratações para casos de má conduta ou fraude — o que não se aplicava ao estudo em questão. No entanto, ele afirma que a política editorial evoluiu e que, hoje, a retratação também é apropriada quando as evidências não sustentam as conclusões principais de um artigo. “Se os editores determinarem que os experimentos não corroboram as conclusões centrais do trabalho, como ocorre neste caso, uma retratação é justificada”, escreveu Thorp.
Rosie Redfield, microbiologista aposentada da Universidade da Colúmbia Britânica e uma das principais críticas do estudo desde sua publicação em 2010, considerou a decisão acertada: “É bom que isso tenha sido feito. Todo mundo sabe que o estudo estava equivocado, mas é importante evitar que novos leitores sejam induzidos ao erro.”
Opinião dos autores
Já um dos coautores, o geoquímico Ariel Anbar, da Universidade Estadual do Arizona, discorda. Ele afirma que os dados permanecem válidos e que o debate se restringe à sua interpretação: “Não se deve retratar um estudo por divergências interpretativas. Se esse fosse o critério, metade da literatura científica teria que ser retirada.”
Publicado em 2 de dezembro de 2010, o artigo causou grande impacto ao propor que um microrganismo coletado no Lago Mono, na Califórnia — um ambiente naturalmente rico em arsênio — seria capaz de incorporar esse elemento em substituição ao fósforo. Os pesquisadores, ao analisarem uma bactéria da família Halomonadaceae, afirmaram que ela poderia usar arsênio no lugar de fósforo para construir biomoléculas essenciais como DNA, RNA e ATP.
Entretanto, a comunidade científica reagiu com ceticismo. Químicos apontaram que ligações contendo arsênio no DNA seriam altamente instáveis e se romperiam rapidamente na presença de água. Microbiologistas, como Redfield, destacaram que o meio de cultura usado no experimento continha níveis residuais de fosfato, suficientes para sustentar a bactéria — o que enfraquecia a principal alegação do estudo.
Estudos independentes
Em maio de 2011, a Science publicou oito comentários técnicos rebatendo o artigo, acompanhados de uma resposta dos autores. No ano seguinte, dois estudos independentes, um deles liderado por Redfield, tentaram reproduzir os resultados originais, sem sucesso. Ainda assim, a retratação não foi feita — até agora.
A polêmica voltou à tona em fevereiro deste ano, quando o The New York Times publicou uma reportagem sobre Felisa Wolfe-Simon, autora principal do estudo e, à época, pesquisadora de astrobiologia da NASA no Serviço Geológico dos EUA. A matéria relatava o impacto negativo que a controvérsia teve em sua carreira científica, embora ela tenha obtido algum financiamento para seguir com novas pesquisas.
Segundo Thorp, a decisão final visou encerrar um debate que se estendia há anos: “Chegamos a um ponto em que as dúvidas persistiam, e decidimos que era melhor encerrar esse capítulo com uma resolução definitiva, do nosso ponto de vista.”
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