Para sobreviver e prosperar no mercado, soluções precisam se apresentar como um prisma: uma única luz que se refrata em múltiplas cores.

A hiperdimensionalidade das propostas de valor

(Gláucio Brandão)

Por que sua proposta de valor precisa ser hiperdimensional para sobreviver no mercado? Imagine que você desenvolveu o aplicativo perfeito de delivery. Para o cliente apressado, ele é velocidade pura — pedido em 2 cliques, entrega em 15 minutos. Para o consumidor consciente, sustentabilidade — parceria com restaurantes locais e embalagens biodegradáveis. Para o foodie (nada demais pessoal, é o termo pra quem é viciado em comida), ele é descoberta, um algoritmo que sugere pratos únicos baseados no seu paladar.

Mesma solução. Três propostas de valor completamente diferentes. Três “sabores” distintos para quem as consome.

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O Mito da proposta de valor única

A maioria dos empreendedores ainda pensa em proposta de valor como algo monolítico: “Meu app faz X para resolver Y!”. Essa visão simplista é um dos principais motivos pelos quais tantos negócios promissores fracassam no mercado.

A realidade é que qualquer P2S3 (produto, processo, serviço, squad, startup) carrega múltiplas dimensões de valor simultaneamente. Um carro não é apenas transporte: é economia (baixo consumo), status (design premium), segurança (tecnologia avançada), praticidade (espaço interno) e experiência (dirigibilidade). Assim, quando enxergamos apenas uma dessas dimensões, perdemos oportunidades gigantescas de comunicação, diferenciação e defesa competitiva.

A hiperdimensionalidade da proposta de valor.

Quando cunhei a expressão Hiper Proposta de Valor (Hiper PV), quis dar a entender que toda solução possui camadas distintas de valor que atendem a diferentes necessidades do mesmo cliente, ou de clientes diferentes. Por exemplo:

  • Valor Funcional. O que o produto faz: um smartphone faz ligações.
  • Valor Econômico. Como impacta as finanças: economiza em outras ferramentas.
  • Valor Emocional. Como faz o cliente se sentir: conectado, produtivo.
  • Valor Social. Como afeta relações sociais: status, pertencimento a grupos.
  • Valor de Processo. Como simplifica a vida: integração com outros apps.

Cada uma dessas dimensões ressoa de forma diferente com personas distintas dentro do seu mercado-alvo. O executivo valoriza status, o estudante prioriza economia, o criativo busca funcionalidade avançada.

Do monolítico às múltiplas interfaces. A estratégia mais inteligente é desenvolver um núcleo monolítico adaptativo (confesso que esta expressão ficou bonita), uma solução central robusta que se manifesta através de múltiplas interfaces e propostas de valor específicas. Uma espécie de arco-íris, cujas cores dependem de quem e de onde se vê. Veja, por exemplo, o app Slack: mesma plataforma, mas para o CTO é segurança e integrações, para o RH é cultura organizacional, para o projeto manager é produtividade e organização. Cada persona vê valor diferente na mesma ferramenta.

O Processo de hiperdimensionalizaçãoNa lata, ao modo GBB-San, segue um algoritmo:

  1. Identifique as Dimensões. Liste todos os tipos de valor que sua solução pode oferecer.
  2. Selecione uma Dimensão. Escolha uma para aprofundar (ex: “economia de tempo”).
  3. Desenvolva a Proposta Específica. Defina problemas, soluções e métricas para essa dimensão.
  4. Identifique o Cliente Único. Qual persona mais valoriza essa dimensão específica.
  5. Repita para Cada Dimensão: Até cobrir todas as camadas de valor.

Marketing multidimensional.Com uma Hiper PV mapeada, você pode:

  • Segmentar campanhas por dimensão de valor (economia para CFOs, produtividade para gerentes)
  • Priorizar características baseado no que mais impacta seu segmento principal.
  • Criar múltiplos pontos de defesa contra concorrentes. Sim, eles podem ser vistos como contra-clientes!
  • Expandir mercados ativando dimensões de valor subutilizadas.

Um concorrente pode superar você em preço, mas, ainda assim, você compete forte em experiência do usuário, suporte, marca, história ou inovação. Não pense em vantagens competitivas; desenvolva vantagens disruptivas, aquelas que dependem de quem faz, não de apenas do preço.

A armadilha do produto único

Empresas que insistem em comunicar apenas um benefício único estão lutando com uma mão amarrada. Aquele velho papo: “Quem tem dois, tem um; quem tem um, não tem nenhum!”. A Netflix não é apenas entretenimento, é conveniência (qualquer hora, lugar), personalização (algoritmo de recomendação), economia (versus cinema) e descoberta (conteúdo mundial). Quando um concorrente surge com melhor catálogo (dimensão funcional), a Netflix se defende com produção original (dimensão emocional) e interface superior (dimensão de processo).

Conheço startups (por questões éticas, não vou citá-las), que possuem soluções únicas, orientadas a nichos estreitíssimos, cuja solução alcança um único tipo de persona, um único tipo de cliente. Como resultado, empresas mais robustas as usam como “testadoras de nicho”. Assim – e se – tal solução mostrar-se interessante, vão lá e tomam aquele pequeno mercado com a força de sua estrutura, deixando para aquela startup todo o custo da validação e o prejuízo das vendas que não acontecerão. Quem não conhece empresas nascentes que seguiram essa jornada abismo abaixo?

Monolítico por dentro; multifacetado por fora

A arquitetura ideal para o futuro é simples: desenvolva soluções monolíticas que funcionem como plataformas adaptativas. Um motor único com camadas de valor que se ativam conforme o contexto e necessidade de cada cliente. Isso permitirá escalabilidade com flexibilidade comercial (múltiplas propostas de valor). O melhor dos dois mundos.

Sobrevivência pela Diversidade ou “não carregue todos os ovos na mesma cesta.”. No final das contas, o mercado não perdoa quem oferece apenas uma dimensão de valor. Concorrentes surgem, preferências mudam, crises econômicas alteram prioridades. Empresas resilientes são aquelas que conseguem se reinventar ativando diferentes facetas da mesma solução. Você pode até desenvolver produtos monolíticos, o que parecer ser recomendável para eficiência operacional. Mas, para sobreviver e prosperar no mercado, essas soluções precisam se apresentar como um prisma: uma única luz que se refrata em múltiplas cores, cada uma encantando um tipo diferente de observador.

O futuro pertence a quem entende que toda grande solução tem vários sabores. E cada cliente precisa encontrar o seu, mas é você quem terá de apresentá-lo.

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Gláucio Brandão é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e autor do livro Triztorming