(Larissa Nunes Paiva)
Pensar a representação política no Brasil não é uma tarefa simples. Ainda existem rastros no imaginário social brasileiro e raízes na sociedade do longo e violento processo de escravização dos corpos, da condição colonial que vivemos, da usurpação de riquezas, do machismo, do patriarcado e do racismo, que insistem em persistir de algum modo, com práticas ressignificadas e não menos violentas ou excludentes. Nesse sentido, a representação política dialoga com esse passado e ainda se assenta em uma democracia que, a todo momento, é ameaçada. Apesar de todo o garantismo da Constituição Federal de 1988, a participação das mulheres na política e nos espaços de poder e de tomada de decisões é atravessada por violências interseccionais.
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Minha escrita tem um lado. Como bem escreveu Djamila Ribeiro, em O que é lugar de fala?, ela reflete como penso, como vejo e como sou vista na sociedade. É a partir desse lugar que falo, em respeito à minha ancestralidade e como forma de permitir que outros, que vieram antes e não tiveram a oportunidade de serem ouvidos e lidos, possam ser lembrados. É, portanto, pelo direito ao lugar de fala das mulheres nos parlamentos.
A pesquisa que desenvolvo no Doutorado em Ciências Sociais analisa o financiamento de campanhas eleitorais de deputados estaduais no Rio Grande do Norte e o perfil eleitoral. Em sua maioria, os eleitos são homens, de famílias tradicionais e, muitas vezes, conseguem ser reeleitos. Há dados que demonstram a eleição do mesmo deputado até onze vezes, sucessivas ou não, para o mesmo cargo. Em contraponto, somente na última eleição, em 2022, das 24 cadeiras disponíveis, apenas cinco mulheres foram eleitas — sendo esta a maior bancada feminina em uma mesma legislatura. Dessas, apenas uma, Divaneide Basílio (PT-RN), mulher preta, foi a primeira a se autodeclarar assim na história da Assembleia. No estado que carrega o pioneirismo feminino na política, essas mulheres, marcadas pela interseccionalidade, ainda estão distantes da casa legislativa e reivindicam sua inserção no cenário político.
Nesse sentido, peço licença a Carla Akotirene para citar suas reflexões em O que é interseccionalidade, obra em que a autora, mulher negra e brasileira, define que há um processo de encruzilhada de violências sobre determinados corpos, no qual classe, raça e gênero são categorias que, juntas, permitem analisar como opressões podem ser sobrepostas. Esses corpos — daqueles que são classificados pela sociedade como pobres, periféricos, favelados, pretos, pardos, quilombolas e indígenas, e, sobretudo, mulheres — são alvos de exclusões e violências, autorizadas pelo Estado na omissão de suas políticas públicas, como se fossem corpos destinados a padecer ou a morrer, ou ainda, como se não devessem ser representados.
As mulheres representam 51,5% da população, segundo dados do IBGE (2022). No entanto, não são a maioria das eleitas e não estão presentes de forma proporcional nas esferas representativas. Além disso, quando eleitas, raramente ocupam cargos em comissões, ministérios ou na presidência das casas legislativas. Segundo a ONU Mulheres, o Brasil ocupa a 133ª posição no ranking global de representação parlamentar de mulheres, o que evidencia a sub-representação feminina na política.
Representantes de quem? Quando a maioria da população — as mulheres — não consegue se eleger proporcionalmente, há uma crise direta no modelo de representação. Essa crise se intensifica quando se insere na análise a interseccionalidade, que revela que mulheres pretas, pardas, quilombolas, indígenas, periféricas ou de classes populares praticamente não são eleitas. A eleição de mulheres, considerando classe, raça e gênero, é de fundamental importância para o parlamento, pois elas contribuem para a formulação de políticas públicas específicas e promovem agendas necessárias para a inclusão social.
Os obstáculos estão postos antes e depois das eleições. Exemplos disso são as fraudes às cotas de gênero nos partidos políticos e às cotas raciais, o desequilíbrio na distribuição dos recursos de campanha e a desigualdade na visibilidade das candidatas. As discrepâncias entre candidatos e eleitos não se limitam apenas ao perfil sociopolítico: elas têm nome, gênero, classe e raça. Além disso, a mulher eleita ainda sofre mais opressões, como a violência política de gênero, frequentemente noticiada e em índices preocupantes, configurando uma ameaça aos direitos políticos de todas, ao histórico de lutas e à trajetória política das mulheres, que é minada constantemente.
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Larissa Nunes Paiva é doutoranda em Ciências Sociais na UFRN, professora de Sociologia do Estado do Rio Grande do Norte e integrante do Grupo de Pesquisa Social da UFRN.









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