(Redação Nossa Ciência)
Um estudo da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa) revelou que a Bacia Hidrográfica do Rio Piancó-Piranhas-Açu perdeu 42% de seus corpos d’água em três décadas.
Em artigo publicado na Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, os pesquisadores afirmam que as mudanças no uso e na cobertura da terra na bacia, que se estende pela Paraíba (60%) e pelo Rio Grande do Norte (40%), foram impulsionadas principalmente pela conversão de áreas naturais em sistemas produtivos.
Você percebeu que o Nossa Ciência não tem fontes de recursos? Considere contribuir com esse projeto, mandando pix para contato@nossaciencia.com
A pesquisa identificou que a expansão da fruticultura irrigada ao longo dos principais cursos d’água — favorecida pelas condições de solo e pela disponibilidade hídrica — tem sido o principal motor da transformação da paisagem. Ao mesmo tempo, o crescimento desordenado da carcinicultura na parte inferior da bacia tem causado sérios impactos ambientais, como a salinização do solo e a contaminação de corpos d’água por efluentes não tratados. Essas alterações representam ameaças críticas aos reservatórios estratégicos da região.
O uso excessivo de adubos e rações em atividades agrícolas e de aquicultura acelerou a eutrofização dos reservatórios Coremas-Mãe d’Água e Armando Ribeiro Gonçalves. Paralelamente, a redução da vegetação nativa intensificou o assoreamento, comprometendo a capacidade de armazenamento e afetando diretamente a disponibilidade hídrica regional.
O Portal Nossa Ciência conversou com a engenheira civil Izabele Cristina Dantas de Gusmão, primeira autora do artigo, e com seu orientador, o professor Rogério Taygra Vasconcelos Fernandes, sobre o projeto e suas repercussões.
Acompanhe as entrevistas:
Rogério Fernandes: recuperação da Caatinga é possível, depende de restauração e uso sustentável
Nossa Ciência: A pesquisa integra algum projeto maior? Poderia falar sobre outros aspectos além da pesquisa em questão?

Rogério Fernandes: Sim. A pesquisa fez parte de uma iniciativa da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa) voltada para avaliar os serviços ecossistêmicos em regiões semiáridas, com foco naqueles relacionados à gestão de recursos hídricos. Trata-se de um esforço maior para compreender como os ecossistemas que constituem as bacias hidrográficas do semiárido brasileiro sustentam atividades econômicas e sociais em regiões vulneráveis.
Além da pesquisa de que resultou neste artigo, outros trabalhos do projeto buscaram (e ainda buscam) avaliar a sustentabilidade de usos múltiplos, como a carcinicultura, a extração de sal e a pesca artesanal, analisando seus impactos sobre a qualidade ambiental e a manutenção dos serviços ecossistêmicos.
NC: Quais órgãos ou instituições podem ser beneficiados ao utilizarem os resultados obtidos na pesquisa?
Rogério Fernandes: Os resultados podem subsidiar diferentes setores:
- Órgãos ambientais, como o IDEMA e o IBAMA, que podem usar as informações para embasar políticas de licenciamento, fiscalização e conservação.
- Órgãos de gestão de recursos hídricos como o IGARN os Comitês de Bacias, que necessitam de dados sobre disponibilidade e qualidade da água em áreas semiáridas.
- Setor produtivo, especialmente a agricultura irrigada, que dependem diretamente da manutenção dos serviços ecossistêmicos.
- Comunidades locais e associações de pescadores, que se beneficiam do uso sustentável dos recursos.
Nossa Ciência: O artigo aborda perdas econômicas relacionadas com os serviços ecossistêmicos. Há possibilidade de reversão?
Rogério Fernandes: Sim, há possibilidade de reversão, desde que sejam adotadas estratégias de manejo integrado e conservação. A degradação de áreas de caatinga, por exemplo, pode ser parcialmente revertida por meio de projetos de restauração ecológica e pela adequação das práticas produtivas, reduzindo os impactos sobre os ecossistemas.
Além disso, o fortalecimento de políticas públicas de proteção ambiental e a inclusão de instrumentos de pagamento por serviços ambientais podem estimular tanto o setor produtivo quanto as comunidades locais a atuarem na conservação. Embora a recuperação completa seja difícil, especialmente nas condições climáticas da região, é possível restaurar a funcionalidade ecológica e, consequentemente, recuperar parte do valor econômico associado a esses serviços.
Izabele Gusmão: o estudo poderá embasar ações que preservem serviços ecossistêmicos às gerações futuras
Nossa Ciência: Que avaliação você faz dos resultados alcançados?

Izabele Gusmão: A avaliação é um grande alerta para a sociedade. Um alerta para que haja uma melhor fiscalização e contínuo monitoramento das áreas de preservação e em especial das áreas nas proximidades de corpos d’água.
Nossa Ciência: Se não houver uma ação de combate, o que poderá ocorrer com a Bacia?
Izabele Gusmão: Como foi observado no estudo, com o passar dos anos, a ocupação do solo na área da bacia foi dia após dia sendo modificada com a gradativa redução das áreas de vegetação (seja rasteira ou arbustiva) e esse comportamento tende a aumentar. Então, quanto maior a remoção das camadas vegetativas, a bacia perderá sua área pouco a pouco. Em sendo uma remoção de forma rápida, isso será intensificado.
Nossa Ciência: Como foi calculada a redução do valor econômico dos serviços ecossistêmicos da região? Que serviços são esses?
Izabele Gusmão: Foram mapeadas as classes de uso e cobertura do solo (Vegetação Florestal, Vegetação Campestre, Corpos d’Água e Solo Exposto/Área Urbanizada). Para cada classe, foi atribuído um valor médio de serviços ecossistêmicos (US$/ha.ano) com base em autores que embasaram os estudos. Os serviços considerados abrangem provisão (água, alimentos, madeira), regulação (clima, água, erosão, biodiversidade) e culturais (lazer, estética, cultura).
Nossa Ciência: Quais foram as principais dificuldades no andamento da pesquisa?
Izabele Gusmão: As principais dificuldades no andamento da pesquisa estiveram relacionadas ao acesso e tratamento dos dados. A obtenção de imagens de satélite com baixa cobertura de nuvens para toda a série temporal exigiu tempo e ajustes metodológicos. Além disso, a etapa de classificação das imagens demandou muito cuidado, já que a semelhança espectral entre algumas classes (como vegetação campestre e solo exposto) poderia comprometer a acurácia dos resultados. Outro ponto desafiador foi a escassez de informações locais atualizadas sobre uso e ocupação do solo, o que dificultou a validação dos mapas gerados.
Nossa Ciência: Você pretende dar andamento ao estudo? Quais são os planos?
Izabele Gusmão: Sim, pretendo dar andamento ao estudo, justamente pela sua relevância. A pesquisa evidenciou perdas significativas no valor econômico dos serviços ecossistêmicos da bacia, e considero fundamental aprofundar a análise para subsidiar ações de gestão sustentável dos recursos naturais. O plano é ampliar a investigação, incorporando séries temporais mais recentes, cruzando os dados de uso e cobertura do solo com variáveis socioeconômicas e climáticas, além de avaliar cenários futuros de conservação e degradação. Dessa forma, o estudo poderá servir como base para políticas públicas e estratégias de preservação que garantam a manutenção dos serviços ecossistêmicos para as gerações futuras.
Se você chegou até aqui, considere contribuir para a manutenção desse projeto. Faça um pix de qualquer valor para contato@nossaciencia.com
Leia também:
Em 30 anos, Bacia do Rio Piancó-Piranhas-Açu perdeu 42% d’água








