(Luana Oliveira / IAM – Fiocruz-PE)
Garantir que políticas públicas cheguem a territórios como comunidades quilombolas e populações idosas exige mais do que diagnósticos técnicos: passa pela escuta, pela construção coletiva e pela valorização de saberes. Essa é a proposta de dois projetos coordenados pelo pesquisador do Departamento de Saúde Coletiva da Fiocruz Pernambuco, Rafael da Silveira Moreira. O cientista, em parceria com os mestrandos Pâmela Paixão (Fiocruz) e Thawan Lucas (UFPE), investigam a saúde bucal de grupos historicamente invisibilizados.
No Agreste pernambucano, a comunidade quilombola de Angico, em Bom Conselho (275 km de Recife), é o centro da pesquisa “Saúde Bucal no Quilombo”. O projeto representa um avanço no estudo com populações vulnerabilizadas, especialmente quando se trata da saúde bucal, um campo historicamente pouco explorado e marcado por práticas mutiladoras, como a extração dentária em massa. Associada à elevada prevalência de cáries e doenças periodontais, a falta de políticas públicas, tanto na prevenção quanto no tratamento, contribui para o agravamento das condições de saúde da população local.
Autopercepção da comunidade

Segundo Moreira, a pesquisa busca dar visibilidade a essas condições por meio de um diagnóstico coletivamente construído, que associa as necessidades clínicas normativas às demandas subjetivas da autopercepção da comunidade. “O projeto é vivo, não é imposto, mas coletivamente pactuado. Esperamos que, não só os resultados, mas todo o processo de construção do conhecimento seja compartilhado para os demais quilombos do Brasil”, afirma o pesquisador.
De acordo com Pâmela Paixão, a pesquisa é relevante porque a população quilombola enfrenta maior vulnerabilidade à saúde e ainda há poucos dados sobre sua saúde bucal. Questionários adaptados à realidade local permitem identificar com precisão as necessidades da comunidade.
Mais que levantar números, a proposta é caminhar junto às lideranças locais, considerando as condições históricas e geográficas que dificultam o acesso à saúde. Além de questionários e exames clínicos, a investigação pretende validar instrumentos de análise que poderão ser aplicados em outras localidades, ampliando o impacto da produção científica.
Saúde bucal na velhice
Já no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Gerontologia (PPGero/UFPE), o segundo projeto foca em pessoas idosas, cruzando saúde bucal, comorbidades e condições de vida. O objetivo é compreender de forma integrada como o envelhecimento afeta a percepção de saúde e o bem-estar dessa população.
Os dois projetos convergem em um mesmo propósito: dar visibilidade a grupos que, muitas vezes, ficam fora do alcance das políticas públicas. Ao integrar ciências sociais, epidemiologia e políticas de saúde, as pesquisas conduzidas por Moreira, oferecem subsídios concretos para reduzir desigualdades.
O pesquisador ressalta ainda a importância dos editais de fomento. “Eles ajudam a trazer à tona realidades que historicamente ficaram à margem. Nosso esforço é para que os dados gerados não fiquem apenas no papel, mas possam direcionar políticas para onde de fato são necessárias.” Os projetos são financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Vulnerabilidades e desigualdades
A relevância dos projetos tem por base o fato das comunidades quilombolas brasileiras enfrentarem vulnerabilidades e desigualdades históricas. A ausência de políticas públicas adequadas, a falta de recursos e a baixa prioridade dada pelo poder público às demandas dessa população resultam em dificuldades de acesso a direitos básicos, como saúde, educação, saneamento e infraestrutura.
Além disso, persistem obstáculos relacionados à regularização fundiária, que comprometem a segurança territorial e a preservação de seus modos de vida tradicionais. Esses fatores, somados ao racismo estrutural e à invisibilidade social, aprofundam as desigualdades e limitam as oportunidades de desenvolvimento dessas comunidades.
Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Pernambuco abriga hoje 197 comunidades quilombolas, com cerca de 78.827 pessoas, o que representa a quinta maior população quilombola do Brasil. Dessas comunidades 151 são certificadas pela Fundação Cultural Palmares, e outras 59 estão em processo de regularização junto ao Incra.
No entanto, dados sobre as condições de saúde da população quilombola em todo Brasil ainda são escassos ou inexistentes. A própria Política Nacional de Saúde Integral da População Quilombola – PNASQ (2025) ainda está em construção. Sabe-se que, em todo país, o acesso aos serviços de saúde por esse grupo é bastante limitado: as comunidades quilombolas, enfrentam dificuldades significativas para acessar bens e serviços de saúde, incluindo medicamentos e atendimento especializado.









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