Formigas sobre um tronco de árvore
É necessário uma integração do conhecimento científico além da especialização técnica. (Foto: Agência Fapesp)

Multidisciplinaridade para formigas

O mundo das formigas é diferente, pois seus sentidos aguçados de detecção de movimentos e de feromônios se aliam à visão para a prática de navegação, orientação e construção. Neste conto entraremos na primeira universidade 3D para formigas e entenderemos como funcionam os cursos. O problema real das formigas é identificar o corpo de um dos seus inimigos: o tamanduá. Para tanto, foram lançados vários cursos de especialização para identificação do focinho, das garras, cabeça, cauda e pelos. Os jovens que entram na universidade mostram muito interesse em ingressar nos cursos de cabeça e cauda, enquanto o curso de focinho é o menos concorrido, já que a tarefa é mapear a superfície da parte do corpo e manter-se vivo, inclusive ao passar pela língua do inimigo (neste caso, a evasão é irreversível).

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As formigas, doutoras em mapeamento de tamanduá, entendem que suas especializações são muito importantes, mas não servem de nada se não forem integradas. Os conhecimentos de todas as especialidades e a conexão são cruciais para levar ao entendimento o que é exatamente aquilo que se está mapeando: um sapo, um elefante ou um tamanduá. Saber tudo de cauda de tamanduá pode ser útil para se chegar à conclusão de que não é um tamanduá, porém essa informação precisa ser mais completa, a ponto de identificar predadores ainda mais vorazes, como os seres humanos. Aliás, há rumores de que na Universidade 3D para formigas já se tem notícias de cursos sobre IA e aprendizagem de máquina aplicada em seus estudos.

Já por aqui, no mundo dos humanos, fugindo do conto e caindo na realidade, muitos estudantes ainda acreditam que dominar uma técnica é suficiente para entender o todo de algo. Entender a morfologia de um material requer informações adicionais sobre a estrutura cristalina, que dependem de dureza mecânica, propriedades ópticas, elétricas… Criamos um número enorme de técnicas experimentais que mexem na energia do eixo de luz, fazendo-o mergulhar cada vez mais fundo na matéria, identificando desde tumores na pele até fissuras nos ossos.

Porém, ao contrário das formigas, vivemos mergulhados em uma disciplinarização extrema, na qual acreditamos que o máximo de uma técnica nos levará ao entendimento do todo. É aí que nos perdemos miseravelmente: a natureza não foi concebida em blocos, mas sim de forma integrada. A ciência humana precisa integrar seus saberes especializados para ver mais longe. Um cientista dos materiais, por exemplo, precisa dominar o máximo de técnicas possível para compreender seus limites e potencial, a ponto de não se tornar mero leitor de relatórios de máquinas. Para isso, já existe a IA, que, por mais que invente citações, já consegue concatenar dados. A ciência não precisa de leitores de relatórios, mas sim de pessoas que vejam além de sua especialização.

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Helinando Oliveira é físico, professor titular da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e atualmente é vice presidente da Academia Pernambucana de Ciência