(Johnatan F. M. do Vale)
Na obra Geração ansiosa (2024), o psicólogo social Jonathan Haidt argumenta que existe uma correlação direta entre a hiperconectividade contemporânea — marcada pela normalização do contato exacerbado por meio das redes sociais digitais — e a explosão de transtornos mentais na última década. Estatísticas oficiais apontam para o crescimento expressivo de quadros de TDAH, ansiedade, depressão, autoisolamento, automutilação e tentativas de suicídio entre jovens da chamada geração Z (nascidos a partir de 1995) e, mais recentemente, entre a geração Alpha (nascidos a partir de 2010 e hoje em fase de puberdade).
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Segundo Haidt, a gênese dessa crise pode ser compreendida em quatro movimentos principais:
- Declínio do brincar – Desde as décadas de 1980 e 1990, difundiu-se nos EUA, Canadá e Reino Unido um clima de medo social em relação a crimes sexuais e tráfico humano. Pais e responsáveis passaram a restringir a autonomia das crianças, limitando o brincar ao ar livre sem supervisão. Esse processo inaugurou um cenário de superproteção no mundo físico.
- Popularização do smartphone – O lançamento do iPhone em 2007 e a difusão dos celulares inteligentes deram a crianças e adolescentes acesso constante e irrestrito às redes sociais, diferentemente do uso compartilhado do computador doméstico, que era mais regulado pelas famílias.
- A virada das selfies – A chegada do iPhone 4 e do Galaxy S, ambos com câmeras frontais (2010), permitiu que jovens pudessem registrar a si mesmos e submeter suas imagens ao julgamento público. O lançamento do Instagram para smartphones em 2012 consolidou esse novo regime de visibilidade digital.
- Subproteção no mundo virtual – Pais e responsáveis, pouco familiarizados com a lógica das redes, falharam em regular a intensidade do contato digital, deixando crianças e adolescentes expostos a ambientes de altíssima pressão social e psicológica.
Esses fatores convergem para um quadro preocupante: crianças e adolescentes ainda não possuem o córtex pré-frontal plenamente desenvolvido — região ligada ao autocontrole, ao adiamento da recompensa e à resistência à tentação. Assim, tornam-se mais vulneráveis ao vício em redes sociais. Durante a puberdade, momento marcado por inseguranças e busca de autovalidação, a pressão por visibilidade e engajamento reforça o uso compulsivo, muitas vezes associado à erosão da autoestima e à fragilidade emocional.
Além disso, a socialização mediada pelas plataformas digitais caracteriza-se por ser descorporificada, assíncrona, de comunicação massiva (“um para muitos”) e de relações frágeis, de curta duração. O predomínio desse tipo de interação compromete o desenvolvimento de habilidades socioemocionais que dependem do contato presencial, da convivência cotidiana e da experiência comunitária.
Os dados estatísticos são alarmantes: desde 2012, os índices de depressão aumentaram em cerca de 150%, os de ansiedade em 134%, os diagnósticos de TDAH em 72%, enquanto os casos de automutilação cresceram 188% entre meninas e 48% entre meninos. As tentativas de suicídio tiveram elevação de 167% entre meninas e 91% entre meninos. Esses números sugerem não apenas um fenômeno local, mas um quadro global, semelhante em países desenvolvidos e em contextos como o Brasil, onde boletins epidemiológicos também registram crescimento das taxas de depressão, automutilação e suicídio entre jovens da geração Z e Alpha.
Diante disso, Haidt alerta para o risco de estarmos vivenciando não apenas uma epidemia localizada, mas uma pandemia de saúde mental em escala internacional. Como resposta, defende políticas de contenção que passam por maior regulação familiar e escolar do acesso a smartphones durante a infância, além de repensar o próprio modelo de socialização digital que se impôs na última década.
O desafio, portanto, consiste em priorizar experiências sociais corporificadas, síncronas, de contato direto e de engajamento duradouro. Essa reorientação permitiria às novas gerações reconstruir um senso de pertencimento coletivo e desenvolver competências socioemocionais essenciais para a vida democrática. Em suma, somente um retorno às práticas de convivência face a face, enraizadas no tempo real e no espaço partilhado, pode oferecer um antídoto eficaz contra a crise de saúde mental que se anuncia.
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Johnatan F. M. do Vale é professor substituto do Instituto Humanitas – UFRN









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