A prisão de Bolsonaro e as relações entre humor e política

(Cellina Muniz)

Esta terça passada, dia 25 de novembro de 2025, foi um grande dia e certamente entrou para os Anais da História do Brasil: dia em que o ministro do STF Alexandre de Moraes finalmente decretou o cumprimento da sentença do ex-presidente Jair Bolsonaro, já condenado a mais de 27 anos em razão de de alguns dos seus muitos crimes, dentre os quais organização criminosa e tentativa de golpe ao Estado democrático. Dia de festejar! Mas a festa começou antes, no sábado (22/11/2025), quando se deu a prisão preventiva do dito cujo.

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Dentre tantos festejos em todo o país, o humor marcou presença. As redes sociais se viram repletas de postagens marcadas pelo deboche, sarcasmo e zombaria desse que zombou de tantos brasileiros. Sim, o mundo dá voltas e esse ser que riu com desprezo de tanta gente agora se torna, merecidamente, objeto de riso. Um riso triunfante que vem nos compensar diante de tanto abuso de poder perpetrado por essa triste figura da política brasileira, fazendo valer o que Georges Minois afirma em “História do Riso e do Escárnio” (na tradução de Maria Elena Assumpção da edição da Unesp): uma história do riso é uma história da festa.

Primeira charge no Brasil

Charge no Jornal do Commercio, em 14 de dezembro de 1837, del Manuel de Araújo

A relação entre humor e política é bastante antiga e a imprensa tradicional foi o seu principal canal de divulgação. A charge, gênero discursivo exemplar por meio do qual crítica política e humor se encontram, data do século XIX, quando o ilustrador Honoré Daumier satirizou o rei Luís Felipe na célebre charge “Gargantua”. No mesmo período, o Brasil viu surgir uma profusão de publicações especializadas no gênero, como “Lanterna Mágica”, “Marmota Fluminense”, “Charivari Nacional” e “Semana Ilustrada”, dentre tantas outras. A primeira charge brasileira documentada foi publicada no Jornal do Commercio, da então capital Rio de Janeiro, em 14 de dezembro de 1837, na qual Manuel de Araújo Porto Alegre, satirizando a contratação do jornalista José da Rocha pelo “Correio Oficial”, órgão do governo a quem o jornalista “vendeu sua pena”.

E se antes o humor teve na imprensa tradicional um importante canal de divulgação, tendo na charge uma forma especial de articular as notícias do dia e o apelo ao riso, certamente esse lugar é ocupado atualmente pelas vias digitais e redes sociais. Assim é que a prisão de Bolsonaro certamente foi o principal assunto tanto de noticiários quanto de memes.

Mas se por um lado a relação entre humor e política atravessa os séculos, por outro lado, tal como assinala Possenti em “Os humores da língua” (Mercado das Letras, 1998), as piadas políticas são frequentemente transitórias por explorarem características particulares de uma figura ou de uma etapa da história pela qual passa um país ou um governo. Com efeito, muitas das postagens sobre a prisão de Bolsonaro com as quais me deparei (e ri) têm o implícito como principal componente humorístico, remetendo necessariamente a um contexto específico de enunciação.

Riso como instrumento de poder e resistência

É o que se dá no exemplo da montagem feita com a fotografia de Bolsonaro segurando um livro em que se lê “Manual Básico de Solda”. O contexto imediato fornece o conhecimento para tornar tal texto coerente e, assim, a compreensão do efeito de humor decorre do fato de que Bolsonaro tentou violar sua tornozeleira eletrônica, sem sucesso, aplicando nela um ferro de solda.

Ou em outro exemplo, retirado do perfil Sensacionalista – um jornal isento de verdade, em que a prisão é noticiada, comicamente, a partir de relatos feitos pelos filhos de Bolsonaro de que o pai estaria doente, vitimado por fortes crises de soluço (relato por si só risível por seu aspecto ridículo):

Enfim, esses e tantos outros exemplos mostram como a relação entre humor e política segue sendo um palco profícuo para ilustrar algo muito sério: como a sociedade faz do apelo ao riso um instrumento de poder e de resistência política.

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