O próximo passo da pesquisa é entender o papel ecológico e epidemiológico dessa nova espécie. (Imagem: UFRN)

Pesquisadores descobrem nova espécie de barbeiro no Rio Grande do Norte

(Paiva Rebouças – UFRN)

Uma descoberta inesperada pode mudar o retrato biológico da doença de Chagas no Rio Grande do Norte. Durante pesquisa sobre barbeiros (triatomíneos), insetos que transmitem o parasita Trypanosoma cruzi, cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e de outras instituições brasileiras, encontraram um exemplar que fugia do padrão. À primeira vista, parecia o Triatoma petrocchiae, espécie já conhecida por viver em áreas rochosas. Mas havia algo estranho, já que a cor e o formato das asas não batiam com o que os livros descrevem. A semelhança com o Triatoma brasiliensis, principal transmissor de Chagas no estado, levantou uma dúvida que não se resolve com uma simples lupa. Estariam diante de uma espécie nova, ainda desconhecida pela ciência?

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Para responder essa questão, os pesquisadores levaram os exemplares ao Instituto René Rachou, da Fiocruz Minas, onde análises morfológicas e moleculares foram realizadas em parceria com especialistas de diferentes instituições do país e do exterior. As primeiras observações confundiram até os olhos mais treinados. O inseto tinha traços compartilhados com espécies já conhecidas, mas suas manchas e proporções corporais não coincidiam com nenhuma delas. Era como tentar identificar um parente distante apenas por fotos antigas. Foi então que o grupo decidiu recorrer ao DNA, o arquivo genético que não mente.

Sequenciamento genético

O trabalho combina morfologia, morfometria e genética para compor um retrato completo do inseto. (Foto: UFRN)

O sequenciamento do gene mitocondrial Citocromo b, combinado com análises filogenéticas (espécie de árvore genealógica evolutiva das espécies) revelou o que as formas externas escondiam. As comparações genéticas separaram com clareza o novo inseto de seus parentes próximos, T. brasiliensis e T. petrocchiae. Para dar ainda mais solidez à descoberta, o time aplicou análises morfométricas nas asas e nas cabeças dos exemplares e o resultado foi inequívoco, pois, de fato, o Rio Grande do Norte abriga mesmo uma nova espécie de barbeiro, batizada de Triatoma chiarii.

A primeira autora do trabalho é Andressa Noronha Barbosa da Silva Carvalho, pesquisadora de pós-doutorado (PDJ CNPq) no Laboratório de Biologia de Parasitos e Doença de Chagas, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas (UFRN), e professora visitante no Departamento de Microbiologia e Parasitologia da UFRN. Ela revela que o nome específico chiarii foi escolhido para homenagear a distinta carreira do professor Egler Chiari (1934–2020), reconhecido internacionalmente por suas contribuições para a compreensão do Trypanosoma cruzi. Além disso, o pesquisador contribuiu com recursos para montar os laboratórios de Biologia de Parasitos e o laboratório de Imunoparasitologia, todos na UFRN, e colaborou intelectualmente com diversos trabalhos desses grupos.

T. chiarii foi encontrado nos municípios de Messias Targino e Upanema, no Oeste potiguar, coexistindo com o T. brasiliensis. Também foi encontrada em afloramentos rochosos da Estação Ecológica do Seridó, no município de Serra Negra do Norte. Essa convivência acende um alerta, pois a nova espécie pode representar um vetor potencial da doença de Chagas, embora sua importância epidemiológica ainda precise ser confirmada por novos estudos.

Publicação de artigo científico

A descoberta, publicada na revista Parasites & Vectors, vai muito além da curiosidade científica. A pesquisa amplia o conhecimento sobre a diversidade biológica dos triatomíneos, ajuda a entender melhor suas relações evolutivas e redesenha o mapa das espécies que circulam entre o ambiente silvestre e as áreas próximas às casas humanas. As coordenadoras da pesquisa são as professoras Lúcia Maria da Cunha Galvão e Antônia Cláudia Jácome da Câmara, ambas do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas.

A pesquisa conduzida por Andressa e outros 15 colegas da UFRN, UFMG, UFRJ, Fiocruz MG, Fiocruz RJ e University of York (Reino Unido), também mostra como a ciência se constrói em camadas, unindo diferentes técnicas e olhares. O trabalho combina morfologia, morfometria e genética para compor um retrato completo do inseto, como quem monta um quebra-cabeça em três dimensões. Cada peça (o formato da asa, o padrão das manchas, a sequência do gene) reforça a outra, até que o quadro se torna inquestionável.

Mas o impacto dessa descoberta não se restringe aos laboratórios. De acordo com Andressa Barbosa-Silva, identificar uma nova espécie de barbeiro em ambientes próximos às moradias humanas implica desafios diretos para a saúde pública. “A vigilância epidemiológica precisa se adaptar, os agentes de endemias precisam ser treinados para reconhecer o T. chiarii, e as comunidades locais devem ser envolvidas no processo de monitoramento”, disse a pesquisadora. A ciência, nesse caso, não é um exercício de gabinete, mas um trabalho que repercute na vida das pessoas, nas políticas públicas e na prevenção de doenças que ainda persistem em regiões rurais do país.

O próximo passo da pesquisa é entender o papel ecológico e epidemiológico dessa nova espécie. Será capaz de transmitir o Trypanosoma cruzi? Quais hospedeiros prefere? Como se comporta em diferentes ambientes? Essas perguntas guiam a equipe para novos experimentos e observações de campo. Por enquanto, o que se sabe é que o T. chiarii surge como uma nova peça no complexo mosaico da doença de Chagas, um encaixe pequeno, mas que pode mudar a imagem inteira quando colocada no lugar certo.

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