(Alba Paulo de Azevedo)
Em 2025, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) celebra seus 20 anos de existência. Criado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, conhecida como a “Reforma do Judiciário”, o CNJ iniciou suas atividades em 14 de junho de 2005, conforme disposto no artigo 103-B da Constituição Federal. Embora os debates sobre sua criação tenham começado ainda durante a elaboração da Constituição de 1988, o CNJ consolidou-se, no século XXI, como uma inovação expressiva.
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Com sede em Brasília (DF) e atuação em todo o território nacional, é o único órgão do Poder Judiciário de natureza administrativa, e não jurisdicional. A composição do CNJ é heterogênea, reunindo magistrados, membros do Ministério Público, representantes da advocacia e da sociedade civil, em conformidade com o princípio democrático da Constituição Federal. O Conselho é formado por 15 membros, com mandato de dois anos, sendo permitida uma recondução. Entre esses membros está o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), que também preside o CNJ. Diante disso, cabe refletir: qual foi a motivação para a criação do CNJ e por que seus 20 anos representam uma conquista importante para os direitos humanos no Brasil?
O CNJ foi instituído para atuar como órgão central de governança e planejamento do Judiciário, visando aprimorar a Justiça com foco em eficiência, transparência e responsabilidade social. Ao longo de duas décadas, o Conselho foi além de sua função correcional na administração da Justiça, assumindo papel central na defesa da cidadania e na promoção dos direitos humanos, que hoje constituem um pilar de sua identidade institucional. Suas ações têm gerado impactos concretos e contribuído para a construção de uma cultura judicial mais inclusiva e atenta às demandas da sociedade.
A atuação do Conselho abrange diversas áreas e se materializa por meio de normas alinhadas às transformações sociais e aos desafios do país, com avanços significativos, entre os quais se destacam: a implementação da Agenda 2030; a adoção de protocolos de julgamento com perspectivas racial e de gênero; o enfrentamento do racismo estrutural; a criação de fóruns permanentes voltados à escuta e à articulação com grupos em situação de vulnerabilidade; a instituição de programas que promovem a participação de pessoas negras, indígenas e de comunidades tradicionais na magistratura e em outras instâncias do sistema de Justiça; e a formulação de políticas direcionadas à população trans, que incluem diretrizes para o reconhecimento do nome social, o acesso equitativo aos serviços judiciais e a promoção de um ambiente institucional livre de preconceitos.
No campo dos direitos humanos, destaco aqui dois relevantes atos normativos do CNJ:
- A Resolução nº 492/2023 — inspirada em documento similar do México, elaborado por determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, com o objetivo de promover a igualdade de gênero prevista no ODS nº 5 da Agenda 2030 da ONU — estabelece a adoção do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, torna obrigatória a capacitação de magistrados(as) em direitos humanos, gênero, raça e etnia sob uma abordagem interseccional, para que a atuação jurisdicional ocorra sem a repetição de estereótipos e a perpetuação de diferenças, além de criar comitês voltados à qualificação sobre o tema e à promoção da participação feminina no Judiciário.
- A Resolução nº 598/2024 — medida estratégica que busca promover uma sociedade pacífica e inclusiva para o desenvolvimento sustentável, em cumprimento ao ODS nº 16 da Agenda 2030 —, de aplicação obrigatória, estabelece o Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial e orienta magistrados(as) a incorporar questões raciais nos julgamentos, destacando a importância de reconhecer as particularidades de grupos historicamente discriminados em razão da cor da pele. Suas recomendações abrangem as áreas de família, infância e juventude, direito criminal, eleitoral e trabalhista, com o intuito de combater o racismo e promover a igualdade racial.
Essa inclusão interseccional no sistema de Justiça assume especial dimensão no cenário nacional, marcado por contradições profundas. Não obstante o Brasil ser signatário dos principais tratados internacionais de combate à violência de gênero e possuir uma população majoritariamente feminina, com as mulheres negras representando cerca de 29% do total, ainda enfrenta desafios alarmantes. Milhões de mulheres sofrem violência, e as pessoas negras continuam sendo a maioria das vítimas de homicídios no país, apresentando risco 2,7 vezes maior de serem assassinadas em comparação às pessoas não negras. Tal conjuntura demonstra a urgência de um sistema judicial sensível às múltiplas dimensões das desigualdades, capaz de promover justiça efetiva e equidade social para todos.
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Alba Paulo de Azevedo é juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, professora da Escola da Magistratura do Rio Grande do Rio Grande do Norte e pesquisadora do Grupo Pesquisa Social da UFRN.









Este artigo da Dra. Alba Paulo de Azevedo foi uma aula para mim e me trouxe muitas reflexões. Além disso, este artigo trouxe alento para o coração de minha esposa que tem a vida marcada pelo racismo. O CNJ merece esta importância principalmente na atual conjuntura política em que a ação do CNJ fez história. O feminicídio e racismo que as mulheres negras sofrem devem ser discutidos sempre. Parabéns pelo artigo! Aqui deixo meu depoimento familiar e gratidão a Dra. Alba e a esta coluna da Nossa Ciência. Por favor, continuem prestando este serviço para uma sociedade mais justa.
Esclarecedor 👏🏼👏🏼👏🏼 que o judiciário esteja sempre atendo às demandas sociais!
Atento*