Ciência, tecnologia e inovação: ordem errada!

De quando em vez, em meus grupos de convívio – digitais ou analógicos – tenho que levantar a bandeira de uma forma de pensar que parece ser exclusivamente minha, mas tenho certeza de que não é: “faz sentido uma Ciência sem um sentido?”. Foi mal a retórica, é que achei bonita!

Analisemos então os três eixos nos quais descansam (na falta de um termo mais ativo) nossa austera academia: Ensino, Pesquisa e Extensão!

Formamos gente “a toque de caixa” para competir pelos mesmos espaços, o que incrementa o desemprego, como falo em Acorde Neo… Saia da Matrix. Não há mais empregos! . Pesquisamos “a rodo” sem aplicações claras, gastando recursos sem projetos rigidamente definidos, como apontado em Incubadoras universitárias: indo na contramão . Por último, produzimos uma extensão sem indicadores consistentes, como mostrado em Inovação: conceito que a Universidade não compreendeu ainda. Não é uma crítica, pois não sou leviano. É sim uma autocrítica, uma vez que respeito minha universidade, gostaria de me aposentar por ela, e desejo que ela acorde antes que seja tarde.

Portanto, em um momento no qual a Universidade (“U” grande para representar todas do nosso Brasil varonil) deveria se mostrar autônoma, hígida, soberana, ela mostra-se perdida e frágil, sem uma estratégia de validação de suas ações, perante uma sociedade que deduz o conteúdo de qualquer texto com base apenas em seu cabeçalho, seja ele true news ou fake news! Precisamos re-elaborar nosso modelo!

Que venha a Ciência

No início dos tempos, tínhamos pouca tecnologia própria. Sem precisar aprofundar muito a questão, foi o momento em que as bases de nossa Ciência precisavam ser estabelecidas, pois, sem ela, continuaríamos dependentes de tecnologias externas – uma vez que somos bons em commodities -, e continuaríamos recebendo manufaturas por 100 vezes o valor da matéria prima exportada. Autodepredação, seria o termo!

Fundou-se em 15 de janeiro de 1951 o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o famoso CNPq. E a luz se fez!

Com o CNPq lançado, começamos a desenvolver critérios científicos próprios. Aumentamos o volume de nossa produção e, dada à quantidade, pode-se extrair também qualidade. Do que se produzia, por não termos nada ainda, criamos a tecnologia made in Brazil e a utilizamos aqui mesmo, sem problemas, pois o “feito era melhor do que o perfeito”. Fomos pioneiros, na década de 1970, na utilização do álcool como matriz energética. Pena que cochilamos!

Andando um pouco mais para frente, idos de 1990, depois de reservas da informática e do petróleo, caiu um raio em nosso Pindorama chamado “Globalização”! E o caos se fez!

Com a inércia que vínhamos, não conseguimos reduzir o volume das publicações, mas, em compensação, conseguimos fazer isso com a qualidade. Chegamos ao 13º lugar em número de publicações em 2017 e, no ranking de 2019 mostrado pelo Valor Econômico em 29 de março do ano corrente, a termos apenas 12 pesquisadores citados no hall da fama dos que fazem pesquisa de impacto no mundo (em termos percentuais, isto equivale a 0,19% do todo). Ou seja, pelo investimento aportado, 2,5% do PIB, o que nos deixa entre os maiores investidores em um grupo de 30 países, a de se convir que é muito investimento para pouco retorno.

E ainda, segundo a Época Negócios, a falta de política pública pode ser a culpada, quando se compara o investimento brasileiro em relação ao mundo. O Brasil é o 10º país em Despesa Interna Bruta em Pesquisa e Desenvolvimento (DIBPD), que inclui investimento privado.

Analisemos a ordem convencional

Por que será que isto acontece? Posso dar o um parecer então: o pensamento que ronda a academia é o de que devemos continuar criando muita ciência, peneirar esse “bolo” para extrair alguma tecnologia utilizável e, depois disto, ver o que daí serve para inovação!

Vê-se facilmente que este caminho não tem mais como dar certo. Quando não tínhamos qualquer coisa, isso funcionava. Agora a dinâmica mudou e a ficha parece ainda não ter caído! Precisamos criar um processo mais eficiente. Portanto, um reset é necessário; ou uma nova estratégia.

Uma ordem a ser tentada

“Erre rápido para ter sucesso mais cedo”, diz o lema do Design Thinking e da Lean Startup, aprendizado que pode ser visto em Lições tiradas do café empreendedor nº 73 .

E, nessa linha, como bons cientistas que somos, porque não pensar na ordem inversa: inovação, tecnologia e ciência? Coisa de doido, diriam nossos doutos da academia convencional!

Analisemos friamente pelo aspecto colocado no artigo Novos tempos, novo mindset. Lá falamos que um ciência sem aplicação não tem utilidade, e que devería-se começar qualquer empreitada pelo cliente: a sociedade.

Se partíssemos deste ponto, a coisa ganharia um sentido monstruoso:

Primeirão. Procuraríamos o que resolver. A ONU cita 17 broncas grandes. A isso daríamos o nome de INOVAR!

Segundão. Vasculharíamos as tecnologias que já temos disponíveis. Temos um bocado de patentes e registros sem uso. Seria um bom lugar e começo para procurar. Vamos chamar esta etapa de TECNOLOGIAR (hoje eu tô criativo!).

E, finalmente… Se o balde de patentes não cobrisse nossas expectativas, criaríamos a ciência para aprimorar a tecnologia “capenga” sem uso ou iniciaríamos novas ciências. Essa etapa a gente já sabe o nome: Universidade!

Finalizando

É isso! Todos os dias, nas disciplinas de TRIZ, Startup I, Metodologia etc., da graduação e mestrado da ECT, digo ao povo de lá que o propósito científico-tecnológico maior ou, de forma reduzida, a inovação, é validada apenas quando começa a respirar por conta própria, lá fora, na rua, no mundo, quando é percebida pelo contribuinte. Do contrário, são só grandes potenciais. Pergunte a alguma cidadã ou cidadão o que acham de investir seu suado imposto em potencial… Saia de perto correndo!

Referências:

Valor Econômico

Época Negócios

Agenda 2030 da ONU

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Leia a edição anterior: E para o Varejo, nada?

Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.